sexta-feira, 30 de agosto de 2013


A Rede de Marina


Merval Pereira



Não é à toa que a ex-senadora Marina Silva aparece nas pesquisas de opinião como uma possível adversária direta da presidente Dilma na eleição de 2014, podendo chegar ao segundo turno e até vencer. Ao se recusar a prosseguir no jogo partidário que estava montado em 2010, mesmo depois de ter recebido quase 20 milhões de votos na eleição presidencial, ela estava antevendo esse movimento autônomo das ruas que rejeita as formas tradicionais de fazer política que dominam até mesmo o Partido Verde, que ela tentou levar para o caminho original e não conseguiu.

Também não foi um acaso ela chamar seu novo partido de REDE, foi por estar conectada com essa nova onda de movimentos sociais em rede, que o sociólogo Manuel Castells, talvez o maior estudioso desse fenômeno, chama de autocomunicação de massas, “plataforma tecnológica da cultura da autonomia”. Em seu novo livro “Redes de Indignação e Esperança”, lançado no Brasil pela editora Zahar, Castells diz que a partir dessa autonomia, as críticas e os sonhos do movimento se estendem à maior parte da sociedade.

Marina não pretende que seu partido domine os movimentos sociais, nem ser a representante desses movimentos no Poder. Ela quer tentar mudar a maneira de fazer política, em busca de um projeto de país, e não de poder, e para tanto espera refletir na realidade política brasileira os anseios desses movimentos sociais que estão nas ruas.

Ela não acredita que somente com a fisiologia se consiga montar uma base partidária de apoio ao governo, e confrontada com a realidade política do país, ela fala em uma “imprevisibilidade positiva”, a esperar que o novo Congresso a ser eleito em 2014 também reflita os anseios dessa nova sociedade que surgiu e mostrou-se nas ruas nos últimos dias.

Sem querer se dar ares de pitonisa, ela diz que já havia aventado a hipótese de que esses movimentos aconteceriam, no Brasil, a exemplo do que acontece no mundo, e está feliz que tenha começado a montar seu partido REDE bem antes de esses movimentos se materializarem “por que poderia parecer oportunismo”. Mas está se defrontando com a burocracia, com realidades políticas que talvez a impeçam de concretizar seu partido. Ela esclarece que o movimento de apresentar o pedido de inscrição da REDE ao TSE mesmo não tendo o número mínimo de assinaturas validadas pela Justiça Eleitoral é apenas uma maneira de chamar a atenção para as dificuldades burocráticas que vem encontrando, não um pedido de privilégios.

Os organizadores da REDE dizem que vários cartórios estão levando mais de 15 dias, prazo estipulado pela lei, para analisar as assinaturas. E milhares delas são rejeitadas sem explicações oficiais, Há também uma dificuldade para comparar assinaturas com as folhas de votação na última eleição, pois muitos jovens e idosos apóiam o novo partido mas não votaram. Os cartórios eleitorais simplesmente estão invalidando essas assinaturas. O REDE quer que essas assinaturas impugnadas sejam divulgadas e se não houver uma contestação do eleitor envolvido, sejam aprovadas, como determina a lei nesses casos.

A ex-senadora Marina Silva se recusa a discutir um plano B, pois entende que como seu novo partido não existe apenas no papel, e não foi criado para ganhar espaço no ministério do governo do momento, mas é fruto da mobilização de cidadãos, o TSE dará a aprovação para o funcionamento.

Manuel Castells, na parte do livro dedicada à análise das manifestações de junho no Brasil, diz que “a líder ecológica e progressista Marina Silva é a exceção entre os políticos”, está conectada aos novos anseios da população. Para ele, “os movimentos sociais em rede vão continuar a lutar, debater, evoluir e, por fim, a se dissolver em suas atuais condições de existência, como aconteceu com todos os movimentos sociais na História”.

Mesmo no caso improvável de se transformarem num ator político, num partido ou em alguma forma nova de agência, deixarão, por isso mesmo, de existir, analisa Castells, para quem “é muito cedo para avaliarmos o resultado final desses movimentos, embora já possamos dizer que regimes mudaram, instituições foram desafiadas e a crença no capitalismo financeiro global triunfante foi abalada, possivelmente de maneira irreversível, na mente da maioria das pessoas”.

Nesse mundo novo que as gerações mais jovens vêem como seu, “o que é irreversível no Brasil e no mundo é o empoderamento dos cidadãos, sua autonomia comunicativa e a consciência dos jovens de que tudo o que sabemos do futuro é que eles o farão. Mobil-izados”. É essa nova forma de atuar na política que Marina persegue.




O Globo, 28/8/2013

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